sábado, 27 de setembro de 2008

Noite


Boiúna,
a Cobra-Grande
é a Mãe das Cobras
entre os Povos da Floresta

Não só indígenas
Mas todos os ribeirinhos
Ela guarda os segredos da Noite
Da Grande Noite Anterior ao Tempo

Ela doou a Noite aos homens
Para que descansassem
A pedido de sua filha
Que de um deles se enamorou

Boiúna é a Mãe da Coragem
Pune os incautos que sem honrá-la,
vão ao rio
e a acordam
na profundeza escura
das águas amazônicas

Boiúna,
The Great Snake
is the Mother's Snakes
between the RainForest People

Not only between the indigenous ones
but also the other people that lives in there
She keeps hide the secrets of the Night
The Great Night, before the Time

She has given the Night to the men
As a time to rest theirselves
To atend a claim of her daughter
That was in love to one of them

Boiúna is the Courage's Mother
She punish the imprudents
That go to the river, without honor her
To wake up her
at the deep darkness of amazonian water


quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Recorrente



Quero sair um dia na rua
com chuva e tudo
dançando, pintando
com a cor de Janaína
todos os prédios sisudos

Brincar na areia
dos parques escondidos
Fazer quintais
nos apartamentos

Quero um dia sair
com a cor dos lírios
e afrontar as cores da moda
quero sair de azul-piscina
e afogar no mar imenso que sou
todos os seres

Voltar grávida de gentes para casa
e explodir
como um cometa
em nove meses

26.09.1984

I want to go out someday, at the street
with rain, whethever,
dancing and painting
with Janaina colour
every grey building

I want to play at sand tank
of hidden parks
Bringing the backyard
to the apartments

I want to go out someday
with the lilly colour
and face the fashionists
I want to go out with pool-blue color
and drown at the great sea that I am
Every beings

Coming back home, pregnant of peoples
and exploding
like a comet
in nine months

sábado, 20 de setembro de 2008

Inconsciente


E se de repente o sonho
é mesmo a gente em cada detalhe
a pedra, o ogro, a flor, a queda
são tudo a gente

O olho, a mão, o corredor,
o vulto, a vela, o animal
são tudo mesmo a gente
tudo a gente mesmo

Se é assim que o sonho aflora
se for assim então
a gente é gente, é flor, é pedra, animal
somos nossa dor e salvação

Nossa queda e aflição
nossa mão na hora H
nosso escorregar
a mãe, o desconhecido, o horror

A água, o mar, se somos nós,
se nos banhamos lá
quando ninguém está a olhar
se unimos o divino e o satanás

Basta girar a chave, ver o corte sangrar,
a roupa despir, o lábio apertar,
esquecer a dor, aprender a ler
sina e sinais, sombra e assombração

De'star que aprendo a ler
Procuro minha mão no sonho
bebo o copo com água,
anoto lembranças no papel

Escuto D. Juan e outros xamãs
estudo Dr. Jung,
saúdo os gaviões
medito no trânsito

Mesmo assim,
se sou eu, sou eu, se sou eu,
banho de folha e de sal,
escalda-pés não vão curar

O que a lágrima destampa
o que o mar salga e o rio adoça
A sede da mulher-peixe,
a fome descomunal

Nada vai suavizar
a crueldade que dorme
e sai às vezes
pra passear


D. Juan é o personagem fascinante citado nos livros de Carlos Castañeda.
Carl Gustav Jung é fonte.
Sonhar é essencial.
Foto de Cauê Mathias.

domingo, 14 de setembro de 2008

Coffea arabica


O cheiro do café
aroma de casa
conforta a gente
fora dela

Um apetite
tão prosaico
a cultura
do cafezinho

Lembra visita
xicrinhas, canecas
de ágate, pão
crocante, biscoitinhos

Lembra hospitalidade
solidária e sem pressa
amizade brejeira
com muita conversa

Bolo de fubá, pão de queijo
as delícias do lugar
goma de macaxeira
na tapioca branquinha

Que se recheia com doce
salgado, queijo, o que for
e se coloca na mesa
antevendo do outro o prazer

Se o leite for fresquinho
vai junto pra quem gosta
eu prefiro café puro
"o preto que satisfaz"

Doce se for de mãe
amargo, se tiver bolo
com canela, se for sem pressa
e forte o suficiente

Quando o fogão era de lenha
a chaleira 'quentava água
o dia inteiro no fogo
café quando ela fervia

Era um tempo sem tempo
tempo de manga, abacate,
a gente contava o tempo
pela fruta que brotava

Tempo de jabuticaba
de tomar suco de uvaia
tempo de fazer goiabada
que no pão se derretia

Com café as madrugadas
de vigília, pra estudar
pra ficar acordado até tarde
nos velórios, despertar

No acampamento, sem conforto
pro porre do dia seguinte
sempre tinha a mão amiga
que trazia o café quente

Café amargo com sorvete
se não provou não tem idéia
é bom por demais da conta
vaca preta daqui mesmo

Se a gente mede a cultura
pela arte e pelo costume
se a culinária tem charme
o cafézinho tem tudo

É negro que nem a gente
servido em qualquer lugar
bebida de alma, aquece
perfuma, consola, é lar

A frase "O preto que satisfaz" foi escrita por Gonzaguinha, cantada pelas Frenéticas e dizia respeito ao feijão, outra de nossas riquezas.
Luís da Câmara Cascudo escreveu um clássico sobre a cultura culinária brasileira. Nina Horta, que também adoro, escreve delícias...
A foto é da Pousada dos Anjos, MG, onde é servido o café da manhã no fogão à lenha, com a simpatia do Toninho e da Vania...recomendo!

The coffee's smell
house's aroma
it comforts people
when far from home

An so prosaic appetite,
our coffee culture
It remembers visits,
and little cups, mugs of ágate,
hot bread , cookies

It remembers hospitality
solidary and without haste
sympathetic friendship
with much colloquy

Corn cake ,
White cheese's bread
our home delight's
macaxeira gum
to a white tapioca

That it is stuffed with candy
salty, cheese, whethever
It's place in the table
foreseeing the other's pleasure

If milk is cold
it's good together for those who appreciate
I prefer pure coffee
" the satisfying black one"

Witn candy if comes from mother
bitter taste, if we have cake
with cinnamon, if we are not hurry
and ever sufficiently strong

When the stove age of firewood
the kettle was the entire day at the fire
keeping hot water
there was coffee, when it boiled

It was a time without time
time of mangos, avocados,
people counted the time
for the fruit that sprouted

Time of
jabuticaba

to take
uvaia's
juice time
to make
goiabada

that in the bread if it melted

With coffee the dawns
of vigil, to study
to be waked up night away
when something died, to resist

In the encampment, without comfort
To headache of the following day
it always had who friendly help
by bringing the hot coffee


Coffee bitter, taste with ice cream
if you didn't prove, doesn't have idea
is good besides the point
our coffeshake
...

If people measures the culture
by the art and by the customs
if the culinary has charm
The coffee has everything

It is black like our people
served in any place
soul drink, heats it perfumes,
it consoles, it is home

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Convívio



Um rosto claro
de luz vestido
e olho aceso
é quase sempre sinal

de gente bem
bondade, valor
tão esquecido
nestes confins

a cor da pele
não importa
num rosto claro
habita o sol

Tem sal, é leve,
destaca-se
entre tantos
onde o peso dói

Sorriso sem pressa
gargalhada, fala
sem censura, o olho
que ri, que procura

No céu, os pássaros
nuvens, tudo
que enche o olhar
com imensidão

Homem, mulher
não importa
um rosto claro
é paz no turbilhão

Deixa o peso pra trás
dobra o pesar
toca o sino de bronze
e espanta o mal

E não importa
para onde
os outros olhos
estão voltados

Um rosto claro atrai
outra gente, solar
sem idade
gente que já sabe

Pra onde vai
de onde vem
o que deseja pra outro
também tem

Gente deste naipe
alivia meu peso
minha escuridão
assopra ferida

Cura meu povo
diminui a febre
faz ver beleza
onde antes não

Embora lunar
me distraio
e deixo a luz
me banhar

domingo, 7 de setembro de 2008

Depoimento


Quem é o cavaleiro que vem lá de Aruanda?

Atendeste bem cedo ao chamado da ancestralidade

Já era escolhido, já ouvia

O que outros não

Voz doce, voz mãe, voz brejeira

Foi temperando pela vida afora

Ouvindo rádio

Deu peso e cor, experimentou, tocou, tocou...


Ainda se diverte feito menino

Quando arrebenta corda de violão

E consegue trocar enquanto canta

Fica intrigado quando faz chorar (e sempre faz)

Aos homens e mulheres


Tem saudade das ruas de terra

Terras distantes

Saudades de sei lá.

É índio

É preto

É sinhozinho e não é.


Tem proteção, viu, menino?

N.Sra. do Rosário dos Homens Pretos,

São Benedito, Santo Antoninho,

Santos do candomblé,

Nhanderu, Tupã, Ceuci,

Encantados da floresta,

Clã dos Pássaros,

Todos Erês,

Cosme, Damião, Doun

E Espíritos guardiães.


A voz

Cuida dela

É a chave.

Agradece

A graça, o presente, o benefício

De ser luz para muita escuridão

E usa a escuridão que há

Porque tudo vibra

Tudo gera (Eh, Minas!)

Sê feliz!


Este depoimento, escrito faz tempo para o pai do Antonio, chegou até ele no momento certo e nos tornou amigos. A fala da alma é sempre verdadeira.