quarta-feira, 15 de julho de 2009

Herança


Senhora do Rosário foi quem me trouxe aqui
Senhora do Rosário foi quem me trouxe aqui
A água do mar é boa
Eu vi, eu vi, eu vi...


Da mãe o nome e a madrinha
Do pai o humor e o ritmo
Da vó a narrativa e a magia
Do vô a força e a teimosia

Doutra vó a dureza
Do voinho a doçura
Das tias a alegria
Dos tios a tolerância

Perceber o que ficou...
da convivência com o outro
evitar cachorro brabo
saber o gosto da cana
sonhar com quem vai chegar
saber ouvir sem falar
escutar os passarinhos
cantar, cantar, cantar

Tudo são versos que escuto,
vêm dela,
pois minha mãe é minha voz

como será que isto era
este som
que hoje sim, gera sóis
dói em nós...



I´ve got
from my mother
the name and the godmother
from my father
the rythm and humour
from grandma, the magic and many narratives
from grandpa, the strenght and obstinacy

I´ve got
from the other grandma, the hardness
from the other grandpa, the sweetnes
from the aunts, the joy
from the uncles, the tolerance


To perceive what remained
from the living with each other
to avoid the mad dogs
to know from sugarcane, the flavour
to dream with the next visitor
to know how to talk without speak
listening to the birds
and to sing, sing, sing



A primeira estrofe em itálico é da canção popular mineira em louvor à padroeira dos escravos. A estrofe que fecha o texto é da canção Genipapo Absoluto, de Caetano Veloso.
Foto tirada na casa da dona Candinha.


domingo, 5 de julho de 2009

Francisco




O dia

em que estava

perdido

no sótão


Revi

brinquedos

louças

quinquilharias


Ouvi

as vozes

que vinham

das coisas


Previ

catástrofes:

terremotos

vendavais


O dia

em que estava

preso

no porão


Senti

o mofo

a umidade

opressão


Fui

Cérbero

Hades

Perséfone


Comi

as sementes

vermelhas

da romã


Convivi

com a sombra

a morte

invisível


Na casa

janelas abertas

deixei entrar

o Sol


Pleno

de vigor

claridade

bênçãos


Saí

para a rua

renovado

e nu

The day
I was
lost
at the
attic

I review
the toys
the dinner´s device
and little objects

I heard the voice
that comme
from things

I predict
disasters
earthquakes
windstorms


The day
I was
arrested
at the
cellar

I felt
The mold
the humidity
the oppression

I was
Cerbère
Hades
Perséfone

I ate
the red seeds
of pomegranate

I lived with
the shadow
the invisible
death

At the house
windows opened
I left the sun
come inside

Full
of force
clarity
blessings

I went out
to the street
renewed
and naked