domingo, 31 de agosto de 2008

Bonsucesso


A santa se espanta
com tanta festa

com tanto barulho
em torno dela

A imagem primeira

esta, já não existe

A outra, bonita

já nasceu festeira


Muitos anos atrás
a festa era só

quermesse de gente nossa

pouco dinheiro e muita fé

De caminhão ou a pé
ia o povo pra festa
de lenço no bolso

pro suor na testa


A carpição do terreiro

era o mote de então
como pra construir casa

se fazia mutirão


Depois da lida, o padre

benzia a terra limpinha
Todo mundo guardava

da terra benta um 'cadinho


Pra saudade, febre, dores,
animal doente, plantação

Nossa Senhora da Terra
tirava tudo com a mão

Agora a terra vermelha

é que vem de caminhão

a carpição é passado

terra benta é Tradição

A quermesse, a novena,
tem muito, muito mais gente,

Tem palco, alto-falante

vendedor de cachorro-quente


A santa de vez, tem vontade
de sair pra dar uma espiada

rodar no meio do povo

fogos, catira, empolgada


Mas se contém, contrita
Coisa de santa, não é
Olha pela terra da gente
que não planta, mas tem fé

A Festa da Carpição na Igreja de N.Sra. do Bonsucesso é tradição na aldeia, há mais de duzentos anos.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Instalação

Como sugestão de suporte, vejamos:
Temos o céu com todas as estrelas...
O chão com todos seus minerais...
Uma montanha...
Uma lagoa...
Um prédio com nome de gigante...
Uma praça onde os mendigos dormem...
Uma igreja onde ninguém entra...
O local onde os jovens morreram...
A casa onde os velhos vivem...

Possibilidades infinitas

pra quem sabe ser

Artista


Para aqueles que não se deixam limitar pelo convencional...

As a support suggestion, let us see:
We have the sky with all the stars…
the soil with all its minerals…
a mountain…
a lagoon… a
building with giant name…
a square where the homeless sleep…
a church where nobody enters…
the place where the young had died…
the house where the old ones live…
Infinite possibilities for
who knows to be
an artist

domingo, 17 de agosto de 2008

Neo



Um sabonete de rosas
preto e cheiroso
ou um alvo e puro
sabão de coco

pra lavar a alma
todo o corpo
cabelos

Uma camiseta nova
de puro algodão
lisa, sem figuras
aquecendo o peito

Meias no inverno,
limpas e quentes,
para os pés que nos levam
aonde escolhemos

O bom e velho jeans
amaciado pelo tempo
Um agasalho,
pois que faz frio

o calçado mais confortável
para o peregrino
que enfrenta bravamente
a aspereza do caminho

Os objetos-casca
que nos protegem
expressam o que somos



A alma, ah, essa vive nua...

A roses black smelly soap

or a white coconut soap

to wash the soul

all the body

hair

A new t-shirt of pure cotton

smooth, without figures

heating the chest

Stockings in the winter,

clean and hot,

for the feet that take us where we choose

Good and old the jeans

softened for the time

A jacket, that it's cold

the footwear most comfortable

for the pilgrim that faces bravely

the harshness of the way

The rind-object that protect us

they express what we are

The soul, ah, it lives naked…

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Seu Zé tá pensando em boi...



O pai

se vai a cada dia
tentando entender
e ficar
aqui

A cada momento
escuta mais
seus sons interiores
sons antigos
de um tempo bom

O pai
cansou da lida
mas ainda resiste
buscando refúgio
nas mínimas coisas

Aprendeu
que é no trabalho que reside
a honra de um homem
que é assim que tem de ser

Um homem bom
de caráter firme
vive bem-humorado
mas luta contra o tempo

Contra o corpo
que já não o obedece
Contra a impossibilidade
de ser eterno

O pai perdeu, buscando,
alguns de seus muitos amigos,
seus ancestrais
mas mantém sua fé

O pai, que viu no caminho
a onça braba, cobra, sezão,
a fome, a seca, pilares e pedras
Hoje esconde as dores
pra que a gente não sofra

E apesar da rabugice
que se insinua
continua tentando
compreender

A cidade, a gente,
os adolescentes, o tempo,
a tecnologia, o silêncio,
sua sina, ganhos,
perdas

Meu sonho é levar
o pai de volta
ao lar natal
Tenho medo, porém
que ele não reconheça
nada mais de seu

Talvez a viagem
me apavore mais
que ao pai
pois que ele não tem medo

Foi ele
afinal
quem me ensinou
a enfrentar o mar

Seu Zé, José, o Zé Grande, tem mais amigos do que pode contar. É o vô que conserta tudo e que dirige como ninguém. É o homem que gosta de pescar, de estar em família e de cafuné. Que dá risada e procura um docinho depois do almoço. Que nos cobra sempre, fazer o que é certo. A benção, pai!
"Seu Zé tá pensando em boi" é uma frase da canção "Seo Zé", de Carlinhos Brown.

The father goes
each day
trying to understand
and to stay here
At each moment listening more
his interior sounds
old sounds of a good time

The father is tired
of the chore
but he still resists
searching shelter
in the minimum things

He learned
that it's in the work
that inhabits the honor of a man
that this is how it has to be

A good man of firm character
he lives well
but fights
against the time

Against the body
that already it does not obey him
Against the impossibility
of being perpetual

The father lost, searching for,
some of his many friends,
his ancestral ones
but he keeps his faith

The father, who saw in his way
the panther, diseases,the hunger,
dry soil, pillars and rocks
Today hide pains for us not to suffer

Although the bad humour
that sometimes come to him
continues trying
to understand

The city, the people,
the teenagers, the time,
the technology, silence,
his destiny, profits, losses

My dream is
to lead the father
in return
to the native home

I have fear, however
that it doesn't recognize
nothing more
as himself

Perhaps the trip
terrifies me more
that to the father
therefore that he doesn't have fear

He was, after all
who made me learn
how to face the sea

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Ninho



Semana após semana
o espetáculo:
Vida
reencenar

As idiossincrasias,
as idiotices,
as esquisitices,
por que não?

Nossa covardia,
nossa imensa coragem.
Nossa ação,
nossa areia movediça.

Ser niilista,
ser quixote,
(ser artista,
ser filhote)

Rimar sem medo,
rir,
queixar-nos,
acarinhar,
doer

Roer o osso duro
como famintos
Lamber o caldo
no fundo da cuia
Comer o mingau
pelas beiradas

alimentar-nos
de luz
lua
fogo

Ambicionar:
amar.
Mais que amar:
voar.
Mais que voar,
perder-nos.
Mais que nos perder,
encontrar!

O ninho,
o céu,
o filho,
o breu.
O que vimos
de tão belo
no outro,
em nós.

Week after week
The spectacle:
Life
to replay

The idiosyncrasies
The idiocy
The odd
Why not?

Our cowardice
Our immense courage
Our action
Our immobility

Being nihilistic
Being Quixote
(Being artist
Being new)

To rhyme without fear
To laugh
To complain about,
To nurture another,
To hurt ourselves

To chew the hard bone
as hungry ones
To lick the soup
from the bowl's bottom
To eat the hot meal
by the outside

Feeding ourselves
with light,
moon,
fire

Ambitioning:
love
More than love
To fly
More than fly,
lost ourselves
more than lost,
Find somewhere,

The nest,
the sky,
the son,
the dark,
The beauty that we see
to another,
in Us

O niilismo - do latim nihil ("nada") é uma doutrina filosófica e política que prega a negação da ordem socialmente estabelecida e também da sua estética. Tem em Niestzche sua face mais conhecida.
Dom Quixote de La Mnacha é um dos grandes personagens da literatura mundial, do autor Miguel de Cervantes



sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Inverno na aldeia


As folhas não cessam de cair
Na Vila onde nasci
Medito enquanto varro
Folhas secas por aqui

Pra onde vão as folhas
Quem as leva, afinal?
Antigamente as queimava
No chão liso do quintal

A fumaça subia alto
Defumando tudo ao redor
Cheiro de folha, de mato
De aldeia, de pisadô

Os animais se afastavam
No monte, carvão e brasa
As crianças cutucavam
Vagalumes pelo ar

A fogueira era a extensão
Do fogão de lenha da Vó
Cheiro bom, casa quentinha
Sabão de cinza, sem pó


A brincar, fumávamos
pitos de palha, doces
A Vó se ria, cúmplice
Das nossas artes, das tosses

Também era Vó que ajudava
A criar nosso fogão
Com tijolos, galhos secos
Nossa cozinha no chão

Para onde foi a Vó,
como a fumaça, subindo?
Pra onde a nossa inocência,
Cachorros, terra, sumindo?

Hoje nada mais se pode
Nem fogaréu ou fogão
Nem pitar, brasa, fogueira
Nem inventar, nem balão

Quero um viver mais alegre
"Do que este que nos dão"
Brincar com água sem pressa
Fazer bolhas de sabão

De terra, água, ar e fogo

Nosso viver era feito
Quero que nossas crianças
Possam ter esse direito

Pra Vó Maria da Paz, minha saudade.
Luiz Gonzaga tocava no rádio: "Sala de Reboco", de onde vem a frase entre aspas.