quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Verão


Solto as tranças
e a mãe vem lavar
o cabelo comprido
sem pressa

Sentadas ao sol
ela desembaraça
e cantarola
uma velha canção

Tudo está bem
a mão percorre os fios
rapidamente:
novas tranças

Calor do sol,
do corpo da mãe
das mãos
no gesto ancestral

Avó, bisavó,
as índias e as negras
herança
discreta vaidade

Uma vez ouvi, comovida
a poeta recitar
A voz falhou
no poema da mãe

Rapidamente secou a lágrima
e recusou num gesto as palmas
_Vim de Divinópolis, pra dar vexame em São Paulo!

Respirou fundo
e recomeçou
desta vez até o fim.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Modo de espera

"Estou pousado em mim
Igual que formiga
sem rumo."

Só mesmo o poeta
poderia definir assim
só mesmo o homem-terra
que vê nas águas refletido o céu
que enxerga nas minúcias
o que atropelamos

O inseto mais diligente, perdido
pode outra imagem ser tão precisa?
A angústia de ensimesmar-se
Estar em si, desencontrado do entorno
Estar além, desencontrado de si

Cada vez mais acredito
na observação como origem
das mais belas obras
A observação atenta e minuciosa,
o olhar poético, encantado, encantador,
sobre a natureza,
simples,
misteriosa,
absoluta

A natureza da qual, esquecemos,
fazemos parte
Como fazem parte do corpo
a cabeça
e o coração.

" A normalidade é assombrosa.
Sua puerícia é mesmo carne de poesia."

As citações são de Manoel de Barros e Adélia Prado, respectivamente, nas obras: Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo e Manuscritos de Felipa. Hoje estou formiga.